HotDocs 2025: Mundurukuyü – A Floresta das Mulheres Peixe Reimagina o Documentário Indígena em Seus Próprios Termos

HotDocs 2025: Mundurukuyü – A Floresta das Mulheres Peixe Reimagina o Documentário Indígena em Seus Próprios Termos

Uma das estreias mais marcantes e impactantes do Hot Docs 2025 foi Mundurukuyü – A Floresta das Mulheres Peixe, um documentário poético e multissensorial que reverbera os ritmos da terra, do rio e do mito, remodelando nossa compreensão do que pode ser um documentário. Codirigido por Aldira Akay, Beka Munduruku e Rilcélia Akay — três mulheres da Amazônia brasileira e integrantes do coletivo de cineastas de sua comunidade (Daje Kapap Eypi) — o filme se destaca tanto como uma conquista artística quanto como uma declaração de soberania audiovisual.

Três mulheres tomam a câmera em suas próprias mãos para proteger e transmitir a mitologia Munduruku — histórias de um mundo onde os humanos se tornaram florestas, animais e plantas. A produção cinematográfica é tanto um ato de preservação cultural quanto de resistência política, afirmando a soberania sobre seu território e suas narrativas em meio a séculos de invasão colonial ao longo do Rio Tapajós, no Pará, Brasil. Rejeitando interpretações externas, essas mulheres criam sua própria linguagem cinematográfica para resgatar a lente, criando um filme que entrelaça mitologia, cotidiano e o espírito vivo da floresta em uma visão de narrativa autodeterminada. Mundurukuyü é tanto um ato cinematográfico de desafio quanto um gesto de amor à terra, à cultura e às gerações futuras.

Enraizado na cosmologia do povo Munduruku, o filme acompanha a história das mulheres-peixe — seres míticos entrelaçados à vida ribeirinha e ao conhecimento ancestral. Mas não se trata de uma extração etnográfica. Em vez disso, Mundurukuyü envolve o espectador por meio de sua primorosa sobreposição de imagens baseadas em lentes e animação pictórica, evocando uma epistemologia que é ao mesmo tempo visual, espiritual e corporificada. O filme resiste à narração linear, optando por um ritmo imersivo que reflete as temporalidades indígenas e a fluidez da tradição oral. Não se trata de "representação" no sentido convencional, mas sim de um documentário poético e multissensorial que reverbera com os ritmos da terra, do rio e do mito. O filme borra a linha entre o visível e o invisível, transportando os espectadores para um mundo onde o conhecimento ancestral flui como o Rio Tapajós.

A exibição de Mundurukuyü na Ilha da Tartaruga (América do Norte) é especialmente significativa, pois continuamos a lidar com o legado brutal do colonialismo, as injustiças contínuas contra as comunidades indígenas, o apagamento cultural e a narrativa extrativista. A presença deste filme é um lembrete: os povos indígenas não estão apenas resgatando suas histórias, mas inovando as próprias formas pelas quais as histórias podem ser contadas. O filme é um exemplo brilhante de autonomia audiovisual — não um sujeito sendo documentado, mas uma comunidade falando por si mesma, em seus próprios termos. Mundurukuyü oferece um modelo diferente: um modelo baseado na autonomia, na ética relacional e no respeito epistêmico.

Na sessão de perguntas e respostas após a exibição, a diretora Beka Munduruku abordou a complexa ética de compartilhar histórias sagradas. Ela enfatizou que certas narrativas culturais permanecem intencionalmente não compartilhadas, protegidas dentro da comunidade devido ao seu poder espiritual e potencial de dano se deturpadas. Essa afirmação critica o impulso do documentário colonial — a presunção de que tudo pode ser revelado, arquivado e interpretado por estrangeiros (pariwat — povos não indígenas). Os comentários de Beka invocaram o adágio de advertência: "o caminho para o inferno está pavimentado com boas intenções", servindo como um alerta para documentaristas bem-intencionados que não consideram as consequências da extração, mesmo sob a bandeira da solidariedade.

O filme é um exemplo luminoso do que a teórica da mídia indígena Michelle Raheja chama de "soberania visual" — uma retomada do olhar, do enquadramento e do arco narrativo. Mundurukuyü vai além da descolonização como tema; Ele realiza a descolonização em sua forma, processo e ética. Ao trabalhar coletivamente e centralizar as vozes das mulheres, os diretores criam uma metodologia de cuidado, inovação e uma subversão da produção cinematográfica extrativista.

Mundurukuyü – A Floresta das Mulheres Peixe é mais do que um filme — é um marco no cinema indígena, um arquivo vivo, um ato político e uma obra de profunda beleza. O filme reimagina o documentário como prática relacional e convoca o público a ouvir de forma diferente.

Entrevista com Beka Munduruku diretamente do HotDocs - Canadá

Texto e vídeos por Jason Ohara.

Jason O’Hara é um documentarista canadense cujos filmes exploram temas de justiça social e ambiental, com interesse especial no Brasil. 

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